Mas o que significam estas
manifestações? Isto está uma confusão. Cada um fala uma coisa, cada um tem sua
própria causa, as pessoas parecem perdidas. São muitos gritos de guerra,
falando sobre os mais diversos assuntos, sobre tudo e nada ao mesmo tempo. A
causa pela qual estão lutando é o preço da passagem? Mas ninguém se importou
com isso até agora, porque resolveram, do nada, fazer um auê tão grande? Mas o
país não tava crescendo? O país nunca esteve tão bem. O país nunca esteve tão mal. É a revolta da
vingança ou a revolta do vinagre? A polícia é só mais uma vítima ou são os
verdadeiros vândalos. O movimento é da direita ou da esquerda? É apolítico ou
apartidário? Revolucionário ou reacionário?
Outro dia li uma matéria, no jornal
espanhol El Pais dizendo que o Brasil
estava esquizofrênico, e que as manifestações que estão acontecendo aqui são um
sintoma desta esquizofrenia.
Em meio a tantas vozes, fica difícil
mesmo entender o que está acontecendo. O clima é de confusão, excitação, medo,
raiva, violência, euforia, empolgação, animação, guerra, festa. O contato com
tantos sentimentos ao mesmo tempo me faz lembrar a primeira vez que vi uma
esquizofrênica no hospital psiquiátrico, quando estava na faculdade de
psicologia. Nossa, aquilo me incomodou tanto,
a loucura daquela mulher me invadiu com tanta força, que tive que pedir
pra sair da sala e respirar lá fora, com medo de desmaiar. Como podem conviver
com tanta força dentro de alguém sentimentos tão contraditórios?
O paradoxo e a contradição perturbam
justamente por isto. Não estamos
acostumados, não temos estrutura para suportar a convivência dos opostos
justamente porque desde cedo somos ensinados a separar o certo do errado, o bom
do mau. Nossa consciência é formatada dentro de um sistema lógico e linear,
binário, do tipo “ou/ou”. Ou amor ou ódio, não se pode acender uma vela pra
deus e outra pro diabo. Porém, na vida, no cotidiano, não funciona bem assim.
As coisas são bem mais complexas e muitas vezes somos obrigados a conviver com
paradoxos. Mas, como não temos um modelo mental acostumado a lidar com isto,
muitas vezes acabamos “pirando”.
O antropólogo Gregory Bateson
percebeu isto quando formulou sua teoria a repeito da esquizofrenia e do duplo
vínculo. Segundo Bateson, o duplo vínculo
acontece quando uma pessoa se vê diante de mensagens simultâneas de amor
(aceitação) e de rejeição. O fato de
tais mensagens serem contraditórias, faz com que quem as receba fique confuso.
Este quadro é frequente no meio familiar e ocorre, em especial, entre pais e
crianças, e segundo Bateson, muitos adultos jovens que desenvolvem
esquizofrenia, tiveram histórico de relações de duplo vínculo com os pais na
infância. Estas mensagens vêm na forma de frases como “nós te amamos, mas temos
de castigá-lo, porque senão você vai se comportar mal, e não queremos que você
se comporte mal porque queremos continuar gostando de você”. A criança, que
ainda não tem o ego e nem todas as funções cognitivas bem formadas, fica
confusa diante de tais mensagens e dos sentimentos que elas provocam. Diante
disto, a criança se vê sem saída. Se correr o bicho pega, se fica o bicho come.
A mensagem lhe parece confusa e sua
capacidade de ser amada parece ameaçada, isto torna a realidade muito assustadora,
e ela não consegue se adaptar, encontrar uma saída para o paradoxo. Então, procura
modificar a realidade para que ela pareça menos ameaçadora, e o resultado disto,
a longo prazo, pode ser a alienação
mental. A criança vai aprendendo a ver e interpretar o mundo e as mensagens de
forma distorcida, com base nas relações traumáticas de duplo vínculo.
Segundo Bateson, o problema maior não
é o paradoxo em si, mas o fato de a pessoa se ver sem saída diante dele, de não
poder questionar, comentar as mensagens recebidas, sob o risco de perder o amor
ou a aceitação. Em última análise, trata-se de uma questão de comunicação, pois se a criança pudesse
questionar, poderia entender, discriminar, esclarecer, escolher uma alternativa
e descartar a outra, ou de integrá-las
de forma a encontrar um sentido na mensagem. Na impossibilidade de questionar, após um longo tempo de convivência numa relação de duplo vínculo, os
esquizofrênicos adotam uma saída radical: afastam-se do mundo real.
As relações interpessoais consistem
em receber mensagens, comentá-las, questioná-las, e entendê-las, debatê-las. Na
impossibilidade da comunicação, da troca, da inclusão, surge a esquizofrenia e
o afastamento da realidade.
De uma certa forma, isto é exatamente
o que a mídia, a comunicação de massa e seus veículos, especialmente a
televisão, fazem conosco, contribuindo
para produzir uma sociedade esquizoide. Massificando mensagens e padronizando
respostas, impede a troca, o questionamento, o debate, a diversidade
mental e
a criação, mantendo o condicionamento da nossa cultura pelo pensamento
binário. Ou isto ou aquilo, o certo ou o
errado, o mocinho ou o bandido, o herói ou o vândalo.
Na esquizofrenia, existem três tipo
de comportamento principais diante de uma mensagem contraditória : o primeiro
consiste em procurar para tudo um subtexto, ou seja, imaginar que toda mensagem
tem algo “por trás”. Isto leva a uma conduta de suspeita e desconfiança
constantes, típicos da esquizofrenia paranoide.
O segundo comportamento revela um
padrão de pensamento que é concreto e infantil. Leva tudo ao pé da letra, e se
você fala ao pé da letra, a pessoa vai procurando onde fica o pé da letra. Tudo
é motivo de riso, o que é típico na esquizofrenia hebefrênica.
O terceiro comportamento consiste em
ignorar as mensagens, afastando-se de tudo e encastelando-se no mundo interior.
É caso da esquizofrenia catatônica.
Se pensarmos no que está acontecendo
em nosso país como um caso de esquizofrenia, temos o governo e a mídia nos
transmitindo mensagens contraditórias o tempo todo, para nos confundir. Nunca conseguimos saber ao certo o que está
acontecendo. A polícia desce o cacete, mas o governo diz que é para a nossa
própria proteção, para a manutenção da ordem, para nos proteger dos bandidos
baderneiros, especialmente durante manifestações populares.
O tempo todo nos são transmitidas
mensagens do tipo: o país está crescendo, a economia está crescendo e para isso são necessárias obras como Belo Monte.
Só que pra isso teremos que, alterar o curso do rio, sacrificar a fauna e a
flora da região, além de expulsar para outras regiões vários povos indígenas,
ribeirinhos, pequenos agricultores, afetando a natureza e a população de forma
irreversível. Mas isso é necessário para o desenvolvimento do país, vai gerar
empregos e vai ser muito bom pra todo mundo.
O governo vai investir milhões nos transportes
públicos, por isso é necessário o aumento da passagem. Mas boa parte dos
transportes públicos estão nas mãos de empresas privadas, ficam cada vez mais
sucateados. Podemos até diminuir o preço da passagem, mas teremos que tirar
recursos da saúde, e não gostaríamos de fazer isso, mas já que vocês exigem....
Pesquisas mostram que o povo está
muito satisfeito com o atual governo, pois o país nunca esteve tão bem, mas
levantam-se manifestações populares em todo o país com as mais variadas
reivindicações. Mas isso só acontece devido a ação de vândalos que só querem
depredar o patrimônio público.
Mediante tantas mensagens
contraditórias, o país reage esquizofrenicamente, ora com desconfiança, ora
fazendo piada de tudo sem levar nada a sério, ora simplesmente ignorando o que
acontece ao seu redor.
Alguns dos sintomas da esquizofrenia
são:
Ouvir vozes e ver coisas que os
outros não veem. Ter pensamentos, sentimentos como
conhecidos ou partilhados pelos outros. Achar que forças sobrenaturais
influenciam seus pensamentos e ações. Não conseguir separar com nitidez o que
pensa daquilo que acontece. Apresentar afetos inadequados ou embotados. Não
apresentar um senso de individualidade, unicidade ou direção de si mesmos
firmes. O humor se expressar de forma superficial, caprichosa, incongruente ou
ambivalente. Perturbações da vontade como inércia, negativismo, estupor.
Alguns fatores geradores de
esquizofrenia são a incapacidade de:
Dar importância ou tentar seguir a
vozes contraditórias. Tentar reagir ou entender tudo o que se percebe. Ter que
separar nitidamente o que é pensamento do que é realidade e ação. Não poder ter
dúvidas, incertezas, questionamentos.
Não poder dividir, falar, compartilhar. Não poder se ver múltiplo e um
ao mesmo tempo. Não poder ter ou não suportar dentro de si sentimentos
contraditórios.
A imposição de uma norma, de uma
forma única e fundamentalista de ver as coisas leva ao pensamento rígido e
binário, que impede outras interpretações. É exatamente o que faz a mídia com a
nossa cabeça, através de uma ditadura sutil (ou nem tão sutil assim).
O literalismo e o fundamentalismo
tentam manter a estabilidade de algo que por natureza está sempre em movimento.
Elimina a possibilidade de multiplicidade e de criatividade.
Diante disto, começo a me questionar
se o país está ficando esquizofrênico ou se está começando a se curar de uma
antiga esquizofrenia. Porque se a esquizofrenia acontece pelo impedimento do
questionamento, as pessoas estão começando a se questionar. Estão começando a debater, estão começando a,
através da internet e das mídias sociais, a recuperar a capacidade de se
comunicar, de entender e de se fazer entender.
A proposta de Jung para dar conta da
esquizofrenia, é dar ouvidos as múltiplas vozes que falam na cabeça do
esquizofrênico. Deixar que as vozes se expressem, pois existe um sentido mais
profundo em todo delírio, uma tentativa de expressão da psique numa tentativa
de recuperar a saúde. As múltiplas vozes
podem ser simbolizadas pelas múltiplas “causas” desta estranha manifestação que
está ocorrendo no país. E todas precisam
e exigem ser ouvidas. O aumento da tarifa, a necessidade de melhoria da
educação e da saúde, os direitos dos homossexuais, das mulheres, o direito ao
protesto e a livre expressão, o direito de ser coxinha, maconheiro, vadia,
alienado. O direito de ser de direita. O direito de ser de esquerda. O direito
de ter um partido. O direito ao movimento apartidário. Todos podem conviver e
existir ao mesmo tempo. Tentar encaixar a manifestação em um
movimento da esquerda ou da direita, do PT ou PSDB, acreditar que sempre existe
uma intenção oculta de golpe por trás de
tudo, achar que é só vandalismo, tudo isto, sim, me parece esquizofrenia.
O que cria a esquizofrenia é a
negação da multiplicidade, das múltiplas possibilidades, do eterno fluxo das
coisas, das configurações que se criam e se dissolvem e se transformam o tempo
todo. O que pode ajudar a mente esquizofrênica a se reintegrar é a aceitação
das multiplicidades, assim como o que pode nos ajudar a compreender um pouco
melhor o que está acontecendo é permitir que todas as causas se expressem. É a
permissão para a indagação, para o questionamento, para o diálogo.
No mais, creio que não exista um
jeito certo ou errado de fazer uma manifestação. Além disso, nem tudo precisa ser entendido
pela mente lógica e linear. Nem tudo precisa ser preto ou branco, PT ou PSDB,
direita ou esquerda. Nem todo mundo precisa ter partido ou tomar partido. Ser
apartidário não precisa significar ser apolítico. Não precisa ser ou isto ou
aquilo, pode ser isto e aquilo também.
Talvez tenha chegado a hora de
ampliar a consciência, de mudar a forma de pensar, de expandir a mente. O que
parece estar acontecendo é uma briga entre o velho e o novo. Para a astrologia, um reflexo da quadratura
entre Urano e Plutão (e sim, isso não explica nada para o pensamento lógico, é
só um pensamento por analogia e não uma explicação de causa e efeito). Urano em
Áries, representando o novo, e Plutão em Capricórnio simbolizando as velhas
estruturas se digladiam no céu e temos que harmonizar estas energias dentro e
fora da gente. Nem tudo que é velho
precisa ser destruído com a chegada do novo, mas certas estruturas antigas,
ultrapassadas e corroídas, certas formas de pensar obsoletas precisam ser
abandonadas.
A vida não precisa ser uma eterna briga
entre a direita e a esquerda. Essa mentalidade às vezes me parece ultrapassada,
e isso não significa que eu esteja vendo tudo de cima do muro e muito menos
defendendo um ponto de vista reacionário, fascista, moralista. Muito pelo
contrário. Só acho que precisamos ultrapassar estas polaridades, para vivermos
num mundo mais justo, mais integrado e
mais equilibrado.
Concordo também que por enquanto isto
ainda é utópico, que existem oportunistas e possibilidades de sabotagens e
golpes sim, que existe uma parcela de pessoas interessadas em que nada mude,
que tudo permaneça como está, mas podemos pelo menos tentar caminhar na direção
de uma mudança, a princípio, na nossa consciência.
Netuno em Peixes gera confusão,
loucura, esquizofrenia. Mas também traz a volta das utopias, dos sonhos, dos
ideais. Mostra a necessidade de maior inclusão, de melhor comunicação, de
aceitação das diferenças. De cura, de compaixão, de união, de não linearidade.
Saturno em Escorpião não permite mais
a negação. Expõe aquilo que se tenta ocultar,
nos faz encarar aquilo contra o que a gente tenta brigar, para nos
mostrar que nosso maior inimigo reflete uma parte não aceita e reprimida do
nosso próprio ser.
Literalidade e fundamentalismo podem
gerar esquizofrenia. Ou é isto ou aquilo.
Não pode ser isto e aquilo e mais alguma coisa? Ou é amor ou é ódio, portanto,
se sinto ódio e amor ao mesmo tempo, só posso estar louca? Diante da
impossibilidade de conciliar as coisas, as pessoas piram mesmo.
E no momento, se há alguma coisa que
acho realmente arriscada, é a tentativa de cura que se deu através do movimento
ser sabotada pela parte doente deste grande organismo que é o país. Na
tentativa persecutória de encaixar o movimento em um golpe da direita ou da
esquerda, impõem-se uma regra repressora, um pensamento do tipo isto ou aquilo.
As pessoas, sem entender nada, se confundem, começam a se sentir perseguidas,
enganadas e o movimento se esvazia. Aí sim, tudo volta a ser como antes e nada
muda!
O pensamento do tipo isto ou aquilo,
muitas vezes imposto pela mídia ou por outras instituições manipuladoras que
querem manter as coisas como estão, é um cabresto, que estamos muito
acostumados a usar. Por isso as pessoas, embora se sintam livres ao poder se
expressar de forma apartidária, logo também se sentem inseguras e sem
lideranças. Aí, a mídia aproveita, e começa a bagunçar a cabeça de todos com
ideias de perseguição e enganação, para que o povo se sinta acuado, enganado,
envergonhado e pare de se manifestar.
Sendo assim, abaixo todo o tipo de
repressão, vamos dar ouvidos a todas as vozes, com um pouco mais de amor, por
favor.
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